quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Luta.


Ato I
Antes de entrar em cena, os protagonistas passam por um severo ritual, repleto de tradições milenares. O ato, reproduzido tantas vezes antes, ainda não perdeu sua relevância. A mente sã, pura e livre de qualquer pensamento turvo e atordoado é fundamental para a realização artística que virá a seguir. Sendo assim, o equilíbrio mental é de suma importância para os protagonistas, tendo ambos passado por diversas preparações psicológicas antes de estarem prontos para entrar em cena. O físico é também essencial, não apenas a boa forma, mas a respiração, a postura, e muitos outros elementos que condicionarão a eficácia de suas expressões corporais. 
O palco está montado. 
Os passos que se seguem até a arena, se tornam mais lentos do que o esperado: o tempo e espaço parecem se estender no momento em que todos os olhares contemplativos se voltam aos protagonistas. É possível sentir os batimentos cardíacos ecoando por toda a dimensão corporal, como se todos os rostos e corpos que ocupam aquele ambiente pudessem sentir o sangue pulsando em suas veias. No entanto, uma vez que a performance se iniciará em instantes, é necessário esvaziar a mente, retomando o domínio total sobre seu próprio corpo.  É o corpo o principal veículo desta arte.
O sinal é dado para que a luta comece.
Foi só após vivenciar minha primeira luta no ringue, que pude perceber que esta havia sido uma experiência estética. Sim, estética. A luta, diferente do que muitos pensam e poucos se lembram, é também uma forma de arte. É uma forma de arte, tanto quanto a dança ou peça de teatro. No instante em que a luta se inicia, o corpo busca em sua forma mais natural, atingir a perfeição da expressão artística estudada. A luta, exige estudo. A técnica milenar, passada de gerações por gerações, só é verdadeiramente compreendida, através do domínio de sua técnica, de suas peculiaridades, de sua beleza. 
O que realmente é o belo?
Onde se encontra a real essência da beleza? O que pode ou deve ser considerado como arte nos dias de hoje? Aquilo que remete aos nossos estereótipos de belo? Toda e qualquer “obra de arte” exposta em galerias aleatórias ao redor do mundo, deve ser tomada, inquestionavelmente, como uma forma de arte? É o valor atribuído à determinado objeto que condiciona e define seu status artístico? Não sei responder, ao certo, essas questões. Porém, o que se tornou claro, após minha experiência ao lutar, é que a convicção de que existe beleza na arte do combate corpo a corpo, era mais do que compreensível. A luta é sim uma arte (não é atoa que se chama também Artes Marciais). Sua beleza consiste na busca da perfeição em cada movimento. A violência é mera consequência dessa arte. Não devemos nos esquecer de que existem diversos quadros, filmes, fotos, peças, livros. repletos de agressividade, tão brutais ou mais que os resultantes de uma luta física.


A beleza não está no objeto observado e nem em quem o observa.
Quando me dei conta do belo que há na luta, era tanto espectador quanto o próprio observado. Cada movimento feito pelo companheiro de luta, refletia nos meus. Estava simultaneamente em estado contemplativo, sem julgamentos efetivos sobre o que outro fazia, receptiva a inúmeros sentimentos gerados pelos golpes diferidos em mim, e, de certa forma, me moldando e determinando meus passos seguintes dependendo daqueles analisados anteriormente. Para aqueles que não compreendem essa forma de arte, tudo acontece em um ritmo frenético e aleatório. Porém, é visível para os apreciadores, a complexidade por de trás de cada olhar, jogo de quadril, golpe e até mesmo a dedicação que há em cada respiração.
A paixão por esta arte, só se concretizou a partir dessa singular experiência. Foi no momento em que eu vivi novas sensações e me livrei da subordinação de qualquer tipo de conceitos morais e me deixei simplesmente contemplar minha própria luta, que enxerguei a pura beleza artística que existe nas artes marciais.

Adriana Gaspar

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