quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Nas Profundezas da Imundice




    Estética para mim envolve, essencialmente, a percepção e as sensações. Portanto minha experiência estética é uma que me moveu neste aspecto. Algo vivido que, por mais que banal, me marcou para o resto da vida e me trás boas e vívidas lembranças do que é ter os sentidos remexidos. Minha experiência estética é algo que me ensinou a sentir algo novo, algo inesperado.

    Pouco importante aqui é o lugar ou a data exatos, mas sim que se passou debaixo d´agua, quando eu tinha apenas dez anos. Desde que era um mero esboço de humano, eu sempre adorei a água, nadar e ficar o máximo de tempo possível nas profundezas das piscinas. Com certeza, somente o fato de estar perto ou dentro d´agua já faz com que meus sentidos trabalhem de uma maneira diferente. Tudo é mais vivo e intenso.Neste caso específico eu estava num hotel, destes resorts de férias. Lá tinha uma piscina enorme, realmente gigantesca e nela, havia um submarino submerso. Não era um submarino de verdade, obviamente, mas era uma réplica suficientemente fiel. As pessoas podiam entrar na estrutura nadando por uma abertura que ficava abaixo do nível da água. Uma vez dentro, o felizardo se encontrava numa grande área que lembrava mais o interior de uma fábrica do que o de um submarino propriamente dito.
Ao ver a colossal “máquina” pela primeira vez, fui logo nadando para dentro dela. Mas por um acaso do destino, na hora em que escolhi entrar, o submarino estava inundado, cheio de água barrosa da chuva do dia anterior. Com minha magnífica altura de criança subnutrida (que já fui), fiquei com água barrosa acima do joelho. O lugar fedia e estava escuro, as luzes não estavam funcionando e só a iluminação do dia lá fora entrava por janelinhas redondas. Uma pessoa normal teria nojo e logo sairia dali o mais rápido possível. Nunca esperançoso em aderir ao grupo dos normais, eu fiquei ali, loucamente feliz, chutando a água barrosa e gritando para ouvir o eco de minha voz soar pelo submarino abandonado.

    Descrever com detalhes todo o interior do lugar e tudo que fiz lá dentro é difícil, já que faz muito tempo e eu não estava necessariamente prestando atenção nestes detalhes. Mas é ai que está a magia para mim. Uma experiência estética realmente boa, incrível, inesquecível, é justamente aquela que te pega de surpresa, que não permite uma racionalização exagerada do que está acontecendo e que não dá espaço para metáforas poéticas luxuosas. Para mim, trata-se do choque, da mistura entre a emoção que vem de dentro e a sensação que vem de fora.Com certeza o fato de eu ser uma criança na época colaborou para uma construção mítica e talvez até exagerada do evento. Para mim aquele foi um dos maiores, mais sujos e mais místicos lugares que visitei na infância. E creio que seja isso que faça essa ser uma experiência marcante. Com certeza, tenho a chance de criar cadeias de significados e reflexões sobre o evento agora. Mas na hora, enquanto nadava para o desconhecido e descobria o interior do velho submarino, eram meus sentidos que imperavam. A novidade do cheiro novo, da penumbra, dos sons ecoando e da lama respingando no meu rosto.

    Enfim, me agrada esta noção de experiência estética. É destes momentos que nascem novas formas de ver e sentir o mundo. É neste momentos que evoluimos tanto como ser vivente, ampliando nossa gama de reações ao mundo, quanto como ser pensante, quando criamos memórias que perduram e nos definem.

    E de fato, ainda gosto de chutar água barrenta para o alto.


- André Louis de Paula (ou Hanks)


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