Algo tão subjetivo como tentar narrar minha vida,
como contar uma piada e não saber como você chorou de rir, é o arrepio e a
falta de equilíbrio. Ou o equilíbrio sem conformismo, é a fome. Como narrar uma
noite estrelada de 2010 no sítio da tia Lu no interior de São Paulo. É algo sem
sentido por meio dos meus sentidos. Uma sensibilidade aguda. Essa é a tal
experiência estética para mim. Que redundância a minha – é minha (e)
experiência.
Talvez não tenha a menor graça saber, talvez não saber seja
confortável, mas me intriga cada noite estrelada quando olho para cima e vejo
aqueles milhares de pontinhos brancos. Somos tão limitados, não definimos nem a
cor das coisas no céu, é tudo branco.
Um olhar tímido. Até meio esnobe, talvez. Não, não,
com o canto do olho se aprofunda em algo que ninguém mais viu. Talvez que
ninguém veja. Ah, mas eu te vejo! Sozinha no ar, com o pulsar dos sinos –
vermelhos, roxos, verdes: ninguém sabe! – no azul marinho do céu.
E me surgem aquelas perguntas de criança que se vão conforme
o tempo, que nunca nos é respondida: por que o céu é azul? E o que é uma
estrela cadente? Me lembro que somos restos de poeira estelar. Isso nos torna parte um no
outro. Uma grande família. Ou distantes? Quem sabe misturados.
De repente, um dragão branco! É, ou vermelho como
fogo! Ela foge, brinca, se envolve e o dragão parece ter sido hipnotizado (quem
sabe tenha sido eu), encantado. Encanto dessa sabedoria. Dessa solidão cheia.
Claro, claro, velhinho, você também está aí. Como gostaria de poder sugar um
pouco do seu conhecimento, mantê-lo fresco no ar. Tolo, o dragão tenta possui-la,
enquanto lá vai o narigudo puxando suas rédeas, parece se divertir ou quer
desvendá-la. Deve ser pura paixão. Pureza aonde? São nuvens!
Olho para o chão:
o frio correu pelas minhas mãos. Me mexendo, faço barulho, assusto o que viria
me espantar. Vontade de dançar. Repousar minha cabeça no seu peito cheio, seu
cheiro... Calma! É a vez do velhinho antes. Quem sabe para de me encarar. Não
foi o que eu quis dizer, sábio, meu carinho é tanto por você que seu sorriso
bigodudo me dá vontade de rir. É, rir. Ao som de palmas. Com um vestido molenga rodando, laranja.
Um cheiro de madeira com homens suados dançando ao redor. Olho para o chão
novamente e volta o medo de insetos noturnos.
Toda vez que
olho para a Lua, com sua luz espelhada do Sol, e para as luzes que piscam acima
de minha cabeça, me sinto tão insignificante, tão faminta de sabedoria, de
descobertas e de mistérios. Toda vez parece que estou olhando para uma pintura
nova.
Mas ela, o velhinho? Trompetes em vez de sinos,
todos coloridos no céu. Um dourado. Pulsante, que longe! Queria te ver de
perto! Vou parar sentada num banco de madeira no meio do parque. Mas você vai
estar lá, velhinho, tomando conta de mim. Lá de cima. Enquanto ela devolve esse
olhar curioso, tímido e sensual para mim. Ela ilumina todos os cantos da pedra
gelada. Não está refletindo o dono de nossas vidas, mas sim mostrando a
essência. Sua ou do Sol?
Vou-me embora, o
frio das mãos passou pela barriga. Meu corpo é mais lento, minha mente te
alcança, até voa. Perpassa o colorido dragão, aparentemente bravo; seus cabelos
arrepiados e você. Nua. Branca ou colorida.
Quero o olhar
dela de novo, sussurre. Lua, volte.
Texto e desenhos por Keryma C. Lourenço
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